quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O dia em que pintei um Caravaggio

  Em minha infância eu posso dizer que brinquei com desenho. Divertia-me criando coisas que surgiam da minha mente. Criava coleções de historinhas, mapas de castelos, de bases secretas ou de cavernas. Criava uma infinidade de personagens e universos. Quando ganhava um pacote contendo 100 folhas brancas me dava água na boca, imaginando em que eu poderia transformar aquelas superfícies. Eu ainda lembro o prazer em sentir o cheiro de papel novo. Fazia tudo isso satisfeito com lápis grafite, lápis de cor e canetas hidrocores. Lembro-me de não me preocupar em explorar novos materiais, tão pouco de buscar instrução em cursos ou semelhantes. Meus referenciais foram meu pai, meu avô, meu tio e toda uma árvore genealógica de artistas presente nas paredes das casas em que cresci. Mesmo com a grande variedade de estilos provinda deles, continuei confiando no lápis de grafite. Não tentava estudar grandes mestres do passado, não pensava no assunto. Sinceramente acho que nunca me fiz a pergunta: “Será que eu consigo?”.

  O tempo passou e, durante a faculdade de Design Gráfico, fui confrontado a experimentar novos materiais e novas técnicas. Em 2001, na cadeira de Desenho III, iniciamos o desenho da figura humana, com aulas de modelo vivo e estudo dos mestres do passado. Foi então que a professora Nádia Senna propôs uma exposição para todas as turmas dessa disciplina - 5 Séculos de figuração – onde cada aluno envolvido deveria escolher alguma obra abordando figura humana, de um dos artistas selecionados, criar uma releitura onde nossa intervenção era, a princípio, inserir as próprias feições no trabalho e utilizando técnica livre sobre papel Paraná de 80 x 100 cm. Esperei até que a alguns de meus colegas escolhessem um dos nomes da lista. Na minha vez, analisando os artistas que restavam, me confrontei com o nome de Caravaggio. Lembrava-me de ter visto seu trabalho num livro sobre o período barroco, e ter imaginado como alguém podia pintar daquele modo. Então finalmente me perguntei: “Será que eu consigo?”. Minha insegurança durou pouco, pois resolvi arriscar. Não pensei muito em como iria fazer. Preferi adotar essa postura de não me preocupar. Escolhi a tinta acrílica devido a sua secagem rápida, e procurei por uma obra que tivesse apenas uma pessoa. Gostei muito de um dos “São João Batista” e iniciei a pintura.

  O que aprendi com o caso Caravaggio é que, acima de tudo, o nosso limite está na nossa disposição para fazermos as coisas. Um tipo positivo de “e se...”. E se eu conseguir? E se eu não chegar nem perto? E se eu tentar? O mover das ideias para a ação é o que faz a mudança. Não foi minha intensão me comparar com o mestre, mas dentro da proposta eu acredito que obtive sucesso. Meu trabalho não ficou uma réplica, e nem poderia, mas mais do que melhorar minha técnica, descobri que podia vir a ser um ilustrador. O dia em que pintei um Caravaggio me ensinou que vale a pena tentar.

Eu e a Profª Nádia Senna - Exposição 5 Séculos de Figuração - 2001